II Encontro Goiano Sociojurídico

O papel do assistente social diante de um contexto de crise e as demandas do Sistema de Justiça permearam o evento

No último dia 10 de outubro ocorreu o II Encontro Goiano Sociojurídico, promovido pelo Conselho Regional de Serviço Social de Goiás (Cress-GO). O evento que ocorreu na sede do Tribunal de Justiça goiano teve como proposta debater com profundidade os desafios do Serviço Social na interface com a Justiça e com o Poder Judiciário.

Donizete Martins de Oliveira, juiz auxiliar da Corregedoria do TJ-GO afirmou na abertura do evento que o Judiciário deve “sair das quatro paredes e ir de encontro à sociedade”, pontuando que cabe à Justiça tentar resolver a demanda da comunidade. Representando o Cress-GO, Nara Costa falou da importância do Encontro e da mobilização da categoria na atual conjuntura. Citou como exemplo o veto do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei 3688/2000, que inseria o Serviço Social e a Psicologia na rede básica de educação.

Depoimento Especial de crianças e adolescentes vitimas de violência

Uma das palestrantes do evento foi a presidente da AASPSI Brasil, Maíla Rezende Vilela Luiz. Ela foi convidada a falar sobre o tema “Depoimento Especial e Escuta Especializada – o que os Assistentes Sociais devem saber”. Esse foi o tema de mestrado de Maíla e é também uma das principais lutas de sua militância como assistente social e a frente da Associação.

“Essa metodologia viola o trabalho profissional dos assistentes sociais nos Tribunais de Justiça, tendo em vista a inadequação ético-política da participação de assistentes sociais nesse método, conforme já questionado pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)”, defendeu a assistente social na abertura da sua fala.

Em seguida, Maíla resgatou o que é a metodologia, seu surgimento no exterior e sua implementação no Brasil. Por aqui, o Depoimento Especial, na época mais conhecido por Depoimento sem Dano, foi objeto de estudo acadêmico da promotora de Justiça Veleda Dobque, em 2003. Algum tempo depois, a metodologia foi implantada no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pelo juiz José Antonio Daltoé Cezar e foi ganhando novos adeptos pelo País nos anos seguintes.

Embora tenha sido idealizada com o objetivo de diminuir o sofrimento da vitima, esta metodologia tem apresentado diversas inadequações e tem sido questionada por diversos especialistas e profissionais da Psicologia, do Serviço Social, da Psiquiatria e do Direito. Maíla ponderou o fato de uma tese acadêmica ter se transformado em uma política pública sem passar por um amplo debate de todos os envolvidos, extrapolando os limites do Judiciário e surgindo como proposta legislativa.

Para a profissional, uma das questões mais problemáticas do Depoimento Especial é o fato de seu principal objetivo ser a produção de provas para responsabilização e punição do réu. “Assim, as crianças passam de vítimas a testemunhas, sendo usadas como elemento de produção de provas”, afirmou. Para ela, jogar a responsabilidade da produção da prova “nas costas da criança” viola a proteção da vítima, que deveria ser o principal cuidado da Justiça.

A ânsia pela condenação do réu preocupa quem critica a metodologia. Para a assistente social, é preciso respeitar o tempo da criança, que muitas vezes demora meses ou até anos para compreender o que ocorreu com ela. “Não podemos esquecer que muitas vezes o suposto agressor é membro da família e isso pode fazer com que a criança perca o apoio da própria família, podendo até ser encaminhada para instituições de acolhimento”, pontuou.

A profissão como instrumento de justiça

A assistente social do Tribunal de Justiça de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ética e Direitos Humanos da PUC-SP, Áurea Fuziwara tratou do tema “questão social e justiça em um país marcado pela desigualdade – respostas do Serviço Social”.

Ela defendeu que para atuar na profissão, o assistente social deve saber a história dos direitos humanos, entender como funciona a sociedade capitalista e seu caráter excludente. “Assistente Social deve traduzir a realidade para fazer da profissão instrumento de justiça e direitos”, expôs.

Áurea avalia que estamos vivendo um retrocesso sem precedentes. Direitos sociais conquistados e já consolidados passam a ser questionados pela sociedade.  “Até nosso direito de ir e vir, atualmente, é cerceado. Estamos regredindo séculos, voltando à origem dos direitos humanos”, alegou.

Diante de uma conjuntura tão difícil, o papel do assistente social e seu compromisso ético-político tornam-se essencial. O profissional deve saber suas competências e atribuições privativas e compreender para que e para quem atua.

Crise capital e demandas do Sistema de Justiça

Márcia Nogueira, assistente social do Ministério Público do Rio de Janeiro trouxe para os presentes sua história pessoal de mulher, negra e periférica que passou em um concurso público e hoje atua na área sociojurídica para falar sobre o tema “Demandas do Poder Judiciário que estão sendo impostas para a rede de proteção – como enfrentá-las sem ferir atribuições de cada um e garantindo direitos dos usuários”.

Como defender os direitos dos usuários diante deste contexto de demandas foi a questão principal que permeou a palestra de Marcia. “Para falar sobre este assunto precisamos compreender porque ele se torna tão importante para nós”, afirmou. Ela trouxe para reflexão o momento da conjuntura atual, de profunda crise do capital, importante análise para entender o atual universo do Sistema de Justiça. “A gente ouve falar em austeridade, em necessidade de cortar gastos sociais, de cortar privilégios do serviço público e precisamos falar sobre isso, sobre como nós enquanto assistentes sociais, enquanto trabalhadores nos inserimos neste contexto e como isso vai influenciar no debate das demandas”, expôs.

Para Marcia, estamos vivendo um momento de profunda intensificação das desigualdades sociais e de discursos que exaltam o não-direito, que defendem que existem grupos que não devem ser privilegiados na oferta dos direitos sociais. “Ouço muito coisas como: não existe mais isso de direitos para mulheres que sofrem violência, não deve existir isso de direitos humanos para quilombolas, temos que defender direitos humanos para todos”, testemunhou. “Em um primeiro momento isso pode parecer positivo, mas quando paramos para analisar a peça orçamentária, vemos uma profunda diminuição dos recursos destinados para as populações mais vulneráveis”, explicou. É importante que o profissional do Serviço Social tenha a compreensão deste quadro e esteja preparado para lidar com as demandas que vão surgir deste contexto no sistema sociojurídico.

Com informações da assessoria de imprensa do Cress-GO

 

 

Sobre o(a) autor(a) Ana Carolina Rios

Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bacharel e licenciada em letras pela Universidade de São Paulo (USP). Assessora de Comunicação da AASPSI Brasil desde 2012.

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