Situação de precarização e adoecimento de servidoras/es pouco foi abordada

Nos dias 26 e 27 de fevereiro o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu o webnário Equivalência de Carga de Trabalho: Um Novo Paradigma do Trabalho na Justiça para discutir os referenciais e a importância de alocar recursos, além de planejar a oferta de serviços à população. De acordo com o conselho, o objetivo do evento “é ir além da quantificação dos números de processos, audiências, despachos, decisões interlocutórias e sentenças para adoção de um modelo de comparação que torne a Justiça brasileira mais justa na distribuição de seu volume de trabalho entre magistradas/os e servidoras/es, assim como célere e eficiente.”
As/os participantes acompanharam um pouco do trabalho do comitê técnico, criado em março do ano passado para promover estudos e pesquisas para a construção de indicadores sobre a equivalência da carga de trabalho de magistrados e servidores, além de poderem opinar, relatando experiências e dando contribuições.
A análise da carga de trabalho nos tribunais e varas pelo comitê se orienta por três referenciais de complexidade: matéria de competência; atribuição de peso a processo, de acordo com classe e assunto; e movimentação. Também leva em consideração a localização da vara, o número de partes ou de testemunhas ouvidas por audiência de instrução; o número de partes nos polos passivos e ativos; a natureza jurídica e econômica das partes; e, enfim, a realização de inspeções judiciais e outros atos jurisdicionais complexos que precisam ter valoração destacada.
Para a juíza Cíntia Menezes Brunetta, conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a complexidade e a diversidade do trabalho do Poder Judiciário se somam à realidade de um país com dimensões continentais, composto por realidades sociais, culturais, econômicas e geográficas distintas. “Não há como analisar a carga de trabalho na Justiça brasileira olhando apenas para um aspecto, o mais tradicional que se tende a considerar, a questão da competência da vara”, opinou.
Sugestões e encaminhamentos
No dia 27, o painel final do webinário apresentou sugestões para a construção de indicadores que vão orientar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na formulação e na implementação das políticas públicas que considerem referenciais quantitativos e qualitativos.
Entre as sugestões apresentadas, estão a validação do resultado do trabalho do comitê pelos operadores do direito e pelos tribunais; a formulação de metodologias adequadas para a comparação do trabalho entre varas que lidam com matérias diversas e atenção aos perigos de normalização do excesso de trabalho de forma irrefletida.
O coordenador do comitê técnico do CNJ, conselheiro Giovanni Olsson, reconheceu a complexidade da missão de buscar a equivalência na carga de trabalho e a dificuldade de encontrar as variáveis adequadas para essa análise. Mas, fechou o evento com otimismo. “Várias experiências mostram que é possível, sim, ser mais eficiente, com mais isonomia, mais simetria e equilíbrio de carga de trabalho por servidor/a, por magistrado/a e por unidade judiciária, de forma que consigamos preservar a saúde de todos os profissionais, e atender melhor o cidadão”, acrescentou.
Avaliação da AASPSI Brasil
Há tempos a AASPSI Brasil vem se posicionando contra a adoção de metas puramente quantitativas com o objetivo de “dar conta” do alto volume de processos no Judiciário. Sempre alertamos sobre o perigo de se estabelecer quantidades diante da complexidade e heterogeneidade das demandas que chegam aos tribunais, em especial nos setores de Serviço Social e Psicologia.
A iniciativa do CNJ é bem-vinda, já era hora do Judiciário se debruçar sobre esta questão, mas pouco se falou sobre o adoecimento de servidoras/es, esgotadas/os com o aumento significativo de trabalho, enfrentando cobranças e assédios constantes, além da quantidade de processos administrativos disciplinares que também dispararam. Além disso, a realização de concursos públicos está rareando cada vez mais, a reposição de cargos vagos não acompanha o crescimento da demanda e a tendência que se percebe é a adoção da precarização dos vínculos, adotando-se terceirizações e em alguns casos até mesmo o voluntariado. Isso vai na contramão do que se propõe o CNJ. Como ser mais eficiente com isonomia e equilíbrio precarizando as condições de trabalho?
É preciso sempre lembrar que o Judiciário, sobretudo no Serviço Social e na Psicologia, lida com vidas. Não são meros processos: é uma criança sofrendo abuso; é uma mulher vítima de violência doméstica, são pais que podem ter o poder familiar destituído, são crianças institucionalizadas à espera de uma família que queira adotá-las, entre outros casos que traduzem a complexidade humana em suas faces sociais, econômicas e políticas.
Submeter metas irreais às equipes cada vez mais defasadas e adoecidas é retrocesso, não é “modernização da Justiça”. Não existe fórmula mágica para fazer caber esta dura realidade em tabelas estatísticas. Quando de fato o CNJ e o Judiciário como um todo irá ouvir as/os servidoras/es sobre esta questão?
A AASPSI Brasil irá continuar envidando esforços para que tenhamos voz nesta construção. Ela tem que ser coletiva. Desde 2022 temos um grupo de trabalho que discute a fundo a possibilidade de realização de uma grande pesquisa sobre a lotação paradigma de assistentes sociais e psicólogas/os nos Tribunais de Justiça frente às demandas que chegam às equipes. As reuniões são abertas às/aos associadas/os que queiram participar e contribuir.
Com informações da Agência CNJ
Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ