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AASPSI Brasil acompanha audiência pública sobre privatização do Sistema Prisional paulista

Entidades questionam projeto do governo, considerado inconstitucional

O governo do Estado de São Paulo, sob a gestão de João Dória (PSDB), anunciou que pretende conceder dez novas unidades prisionais à iniciativa privada ainda este ano. Seria o início de uma era de privatizações do sistema prisional paulista. Funcionando em sistema de gestão compartilhada, as novas unidades oferecerão mais de 8 mil vagas divididas em nove centros de detenção provisória e uma penitenciária feminina. De acordo com informações da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, os custos devem variar entre R$ 3.800 e R$ 5.500 por preso.

Em meio a estas discussões a Defensoria Pública do estado organizou em sua sede uma audiência pública para debater a questão, no último dia 6. A AASPSI Brasil compareceu para acompanhar os debates, representada pela diretora Ângela Aparecida dos Santos.

A entidade, juntamente com outras instituições já havia se manifestado contrária ao projeto de privatização por meio de uma nota técnica divulgada no dia 9 de maio. A audiência pública discutiu diversos pontos considerados complexos pelas organizações.

“A privatização já era uma promessa de campanha do governador e depois que ele assumiu virou programa de governo. E não houve diálogo. Para nós a proposta é inconstitucional e viola diversas normativas relativas ao Tratado de Direitos Humanos”, pontuou Leonardo Biagioni de Lima, do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Ele fez um histórico das tentativas de conversa com a Secretaria de Administração Penitenciária desde janeiro e que não foram profícuas e de como as entidades souberam pela mídia os detalhes do projeto do governo.

Em abril foi realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa, chamada pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), na qual foram debatidos os pontos polêmicos da proposta. Na mesma época foi publicado um edital da SAP chamando para outra audiência e o termo de referências dizendo quais seriam os serviços seriam delegados à iniciativa privada. A audiência foi realizada no início de maio. “A expectativa das pessoas era a de dialogar sobre as possibilidades ou não da privatização das unidades prisionais, mas a SAP trouxe elementos para que se formasse um edital como se a privatização já fosse um pressuposto”, argumentou Lima. De acordo com o defensor público, a  secretaria não apresentou um estudo técnico fundamentando a necessidade de privatização.

O exemplo de Manaus

Não bastasse a falta de diálogo com a sociedade civil, as entidades presentes à audiência pública ainda denunciam que o projeto sugerido pelo governo do Estado de São Paulo é baseado em outros já implantados em outros locais, como por exemplo, o da empresa Umanizzare, responsável por quatro unidades de Manaus, no Amazonas, onde mais de cem presos já foram mortos.

Para o advogado da Pastoral Carcerária Lucas Maurício Garcia Pimenta os massacres ocorridos na região representam o fracasso do sistema carcerário e evidenciam que a privatização na prática não é mais eficiente do que a gestão pública, como tentam convencer alguns agentes políticos. Ele lembrou as centenas de mortes que ocorreram desde 2017 no Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte. “É importante ressaltar que estas unidades são privatizadas. Então a Pastoral enxerga que o lucro destas empresas é um lucro sobre a morte”, alegou.

Pimenta comentou sobre relatório produzido pela Pastoral, em 2012 sobre uma visita realizada à uma unidade privatizada na Bahia. “Muitas vezes os presos ficam trancados por vinte e quatro horas sem direito a banho de sol. Há apenas um vaso de alumínio e a descarga é dada apenas uma vez ao dia. As pessoas têm que fazer suas necessidades em sacolas plásticas e guardar, então o cheiro é insuportável. Não há luz nas celas por causa da economia na energia elétrica”, relatou. Em algumas unidades no país, agentes carcerários privados trabalham junto com agentes concursados. Enquanto para os estatutários a média salarial é de R$ 4 mil, para os terceirizados é de R$ 1.200, o que gera tensão.

Outro ponto destacado pelo advogado é o fato de as empresas que participam das licitações geralmente serem as mesmas que financiaram campanhas eleitorais, além de exercerem forte lobby no Congresso pela aprovação de Projetos de Lei que beneficiam o aumento do encarceramento em massa. Ele citou alguns financiamentos de campanha de candidatos que baseiam suas campanhas em projetos repressivos como, por exemplo, a redução da maioridade penal, realizados pela Umanizzare.

Vencer o discurso midiático de que quem está preso está em um spa

Para a representante da Ordem dos Advogados – Secção São Paulo (OAB-SP), Priscila Pamela dos Santos, os defensores dos direitos humanos não estão conseguindo manter um diálogo com os gestores políticos. “Só estamos perdendo espaço para a extrema direita”, pontuou. Para ela, é urgente uma mobilização para vencer o discurso midiático de que “quem está preso está em um spa” e mostrar a realidade para a sociedade.”

“O estado fala em reinserção, mas esquece que na maioria das vezes estas pessoas sequer foram inseridas na sociedade”, desabafou enfatizando a dura realidade da criminalização da pobreza, fato constatado por todos os relatórios do encarceramento brasileiro. “Nós animalizamos as pessoas que estão ali dentro e desta forma não conseguiremos nunca que elas saiam em uma situação melhor”.

A OAB-SP é contrária ao projeto apresentado pela gestão Dória e o classifica como “monstruoso” por tratar as pessoas como objeto de mercado e por violar a Constituição Federal. “Quer se delegar para a iniciativa privada funções exclusivas do estado”, apontou Priscila. Um dos pontos mais críticos para a especialista é o comprometimento contratual de manter a capacidade da unidade prisional com no mínimo 90% ocupada. Para ela, esta promessa vai contra toda a discussão social por políticas públicas pela redução do encarceramento em massa. Além disso, há a pretensão de privatizar a assessoria jurídica, função institucional da Defensoria Pública. Outra denuncia grave é a tentativa de passar também para estas instituições a execução dos exames criminológicos. “Qual será o grau de imparcialidade dos laudos dos exames criminológicos para instrução do processo de execução?”, questionou.

A privatização da barbárie

Para o representante da Frente Estadual pelo Desencarceramento, Fábio Pereira Campos, o diálogo com a sociedade também é uma preocupação. No entanto, é preciso ter consciência da realidade. “Estes dia vi em uma notícia u pessoas dizendo que precisamos resolver o problema dos moradores de rua porque elas não estão conseguindo passear com seus pets”, disse. “É com esta sociedade que vamos dialogar. Como?”, questionou.

Para ele, humanizar o debate sobre a situação do sistema prisional é muito difícil. Historicamente a população carcerária vem sendo penalizada por ser pobre e preta. “O problema não é de gestão de estado. O problema é que existe uma parcela da sociedade que não é vista como humana”, alegou.

Neste sentido, passar estas pessoas da tutela do estado para empresas privada é apenas uma forma de “privatizar a barbárie”. A terceirização não vem sendo implementada para resolver a questão da superlotação nem para proporcionar a ressocialização. Pelo contrário, o que temos visto é a manutenção ou até mesmo acirramento do sistema de “masmorras” com cadeias superlotadas, presos doentes, torturados e massacrados. Para Campos, a privatização nada mais é do que mais uma face do neoliberalismo que trabalha para garantir lucro fácil a grupos empresariais.

Os debates em outros estados

O Brasil já tem oito estados com unidades privatizadas: Minas Gerais, Santa Catarina, Tocantins, Sergipe, Espirito Santo, Alagoas, Amazonas e Bahia e dois estados que já tiveram: Ceará e Paraná. A privatização começou no Paraná em 1999, processo que começou a ser revertido em 2006 porque a privatização onerava demasiadamente os cofres públicos.

São Paulo não é o único estado que apresentou proposta recente de privatização. No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witsel (PSC) também tem se pronunciado a favor das parcerias publico-privadas para o sistema carcerário, tendo como modelos Manaus e Ribeirão das Neves, em Minas Gerais. O Projeto de Lei 190/2019, de autoria do deputado Rosenverg Reis (MDB) que possibilita este tipo de parceria no estado fluminense já foi validado pelas comissões de Constituição e Justiça e de Segurança Pública na Assembleia Legislativa. O PL voltou à primeira comissão para verificação de emendas.

Entidades da organização civil e parlamentares contrários à proposta mobilizam-se para organizar audiências públicas que devem ocorrer em agosto. A diretora da AASPSI Brasil Newvone Ferreira da Costa tem participado destes debates e está trabalhando na organização das audiências.

 

Sobre o(a) autor(a) Ana Carolina Rios

Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bacharel e licenciada em letras pela Universidade de São Paulo (USP). Assessora de Comunicação da AASPSI Brasil desde 2012.

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