A violência sexual contra crianças e adolescentes em pauta

Evento do CRP-SP debate os altos índices de violência contra crianças no Brasil e as incongruências da Lei 13.431/17

18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes. Para marcar a data, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP) realizou diversas atividades em todo o estado. A AASP Brasil, por meio de sua assessoria de comunicação, acompanhou a palestra “Violência sexual contra crianças e adolescentes: Prevenção, educação, cuidados e atenção em rede”, que ocorreu no último dia 25 na sede do Conselho, na capital paulista.

“O Brasil é um dos países com o maior número de denúncias, são 15 mil apenas pelo Disque 100, sem contar os tantos casos que são silenciados”, expôs Mercedes Guarnieiri, conselheira do CRP-SP, lembrando a importância da discussão. “É necessário falarmos sobre o olhar das políticas sobre esta temática”, disse Magna Barboza Damasceno, também conselheira do CRP-SP. “Todo psicólogo, esteja onde estiver, tem o que falar e propor sobre isso”, completou.

Cuidados a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual

Para falar sobre os cuidados às crianças vítimas de violência, o Conselho convidou Sandra Eloiza Paulino, assistente social do Grupo de Acompanhamento Técnico aos Autores de Crimes Sexuais (GAT) da Secretaria de Administração Prisional de São Paulo. Sandra trouxe importantes conceitos, a começar pelo significado da palavra abuso: ab (mal) + uso = mal uso da sexualidade de uma pessoa em relação a outra. “É a coisificação do outro, transformando-o em objeto de uso”, explicou.

A assistente social falou sobre os desafios do atendimento à crianças vitimas de violência sexual. Um deles é o fato de que nem sempre o abuso provoca dor. “O abuso também traz confusão ao inferir na criança sensações que ela não sabe definir”, alegou. “Faz parte do nosso trabalho ajudar a vitima a entender que seu corpo foi violado e a responsabilidade é de quem praticou o abuso”, defendeu, já que é comum as pessoas, inclusive técnicos, acreditarem que não houve abuso quando a criança diz que “não machucou” ou que “foi gostoso”.

Para ela, a postura do profissional é essencial no atendimento à criança. Ficar perguntando por que a vítima não falou para ninguém, por que não buscou ajuda não ajuda, pois a criança já tem que lidar com o próprio sentimento de culpa, fora a questão da confiança nos adultos que já foi quebrada. “O por que não serve absolutamente para nada. A criança está no esforço de contar o que aconteceu e o profissional pergunta ‘mas por que você não contou antes?’ Não importa porque, valorize o que ela está contando agora. Diga ‘que bom que você pode contar isso para mim’.”

Contradições da Lei 13.431/2017, depoimento especial e escuta especial

A Lei 13.431/2017, que trata do depoimento especial de crianças e adolescentes e vítimas de violência, entrou em vigor no mês de abril de 2018. Em vias de regulamentação, a lei trouxe muita controvérsia, uma vez que foi aprovada e sancionada sem o devido debate com a sociedade e os profissionais envolvidos na nova legislação. Para tratar desta questão a palestrante foi a psicóloga e professora Silvia Ignez Silva Ramos. Silvia também é autora do documentário “Houve?” que trata do tema.

“Como que em um atendimento a gente consegue dar conta de um tema tão delicado e complexo como propõe do depoimento especial?”, iniciou. Para ela, o tempo do Direito é diferente do tempo da Psicologia. “Nem sempre a queixa inicial da vítima é questão central do que aconteceu, muitas coisas vêm com o tempo”.

Outro ponto importante de reflexão é: o que é a escuta? “A lei é fria e depende de interpretações. A lei não consegue definir o que é escuta especial”, alegou. “A teoria só não dá conta. Existe uma subjetividade, o Direito não é absoluto”. A professora defende que o depoimento especial é uma realidade que está aí e que não devemos criar aversão, mas sim “ampliar o debate”, aproveitando a subjetividade da lei para trazer novas interpretações.

Silvia também trouxe para o debate o fato de a lei ter sido aprovada sem o amplo debate necessário. “Isso é muito sério. E o devido processo legislativo, que está garantido na Constituição?”, questionou. A justificativa da Lei foi baseada na normativa internacional, mas a própria normativa internacional diz que é necessário fazer a articulação com as normativas nacionais. No entanto, a Lei 13.431 ignorou marcos legais como o Sinase, a Lei Menino Bernardo e a Resolução n° 113/06 do Conanda.

Para a professora a necessidade da adoção do depoimento especial no Brasil está ligada a um elemento cultural muito característico da nossa sociedade: a ideia de que denuncia e verdade estão conectadas. “Temos essa ideia de que ‘se foi denunciado alguma coisa tem’”. Mas nem sempre a denúncia é concreta, a experiência profissional mostra que muitas denuncias são falsas. “Queremos proteger a criança, mas também não queremos condenar inocentes”, expôs Silvia.

 

Sobre o(a) autor(a) Ana Carolina Rios

Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bacharel e licenciada em letras pela Universidade de São Paulo (USP). Assessora de Comunicação da AASPSI Brasil desde 2012.

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