Evento trouxe questões atuais do cotidiano profissional e a necessidade da resistência e da organização trabalhista para a garantia de direitos
Nos últimos dias 4 e 5 de abril o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e o Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro (Cress-RJ) realizaram o 3° Seminário Nacional “O trabalho do assistente social no sociojurídico”. O evento que reuniu cerca de 600 pessoas ocorreu na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A AASPSI Brasil acompanhou os dois dias de debates representada pelos diretores Caio Cesar Schaffer, Newvone Ferreira da Costa, Daniela Augusto Campos e Ana Maria Bertelli.
A mesa de abertura reuniu representantes do CFESS, do (Cress-RJ), da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abpess), da Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (Enesso) e da Faculdade de Serviço Social da UERJ. A construção coletiva de estratégias de resistência, trabalho e formação profissional na área sociojurídica foram os destaques das falas.
O trabalho dos assistentes sociais no contexto do Estado penal

A primeira mesa do seminário teve como convidadas a historiadora e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Virginia Fontes e da assistente social e coordenadora da ONG Criola Lúcia Xavier.
“Para além das condições protofascistas extremamentes violentas que estamos assistindo no contemporâneo, nós estamos assistindo um tipo de violência que se apresenta como se fosse o seu contrário, como se fosse a modernidade, a vida boa, etc. e eu gostaria de tensionar isso para chegar na questão do trabalho do assistente social no sociojurídico, que é a suposição do fim do trabalho”, pontuou Virginia. O aumento das massas trabalhadoras provocado pela concentração do capital, o que vem aumentando a concorrência entre os trabalhadores, se apropriando dos fundos públicos e devastando as formas de defesa da vida humana e não apenas dos trabalhadores, estas foram algumas características da conjuntura atual traçada pela professora. Tais condições culminam nas dificuldades dos trabalhadores de se organizarem coletivamente e resistirem. Para o assistente social, o impacto é duplo, pois ao mesmo tempo em que assiste a vida da população usuária ser atingida também lida com as dificuldades das suas próprias condições de trabalho.
Lucia falou sobre o racismo institucional no Sistema de Justiça. “Em que pese a ação política da categoria no enfrentamento ao racismo, profissionalmente esta tem ajudado bastante a complicar o quadro de vida da população negra. E esta não é uma questão da profissão entre aspas é também de um posicionamento político de classe e de gênero que vai se espraiando em todas as experiências profissionais, mas sobretudo naquela em que diretamente no contato com o usuário expressa mais profundamente essas desigualdades e faz com que essas permaneçam por mais tempo no que se refere à chance construir processos de direitos”, expressou. Os indicadores sociais revelam o que significa ter a pele negra: quem sofre primeiro com os cortes dos direitos é a população negra. É preciso cuidado para que a prática profissional no sociojurídico não reforce esta situação.
A tarde do primeiro dia do evento foi reservada para seis plenárias simultâneas com temas diversos: Defesa do direito à convivência familiar e comunitária: Dilemas do trabalho profissional; Justiça Restaurativa em debate; A condição das mulheres e o sociojurídico; A questão do idoso e das pessoas com sofrimento psíquico no socio juridico: o debate da interdição; Comissões técnicas e de avaliação disciplinar: dilemas para o trabalho profissional e O trabalho de assistente técnico em Debate.
A relação entre o sociojurídico e as políticas sociais: a “escuta especial” em debate
O segundo dia do seminário destacou a reafirmação do posicionamento Serviço Social brasileiro de que “a escuta especial não deve pautar o trabalho profissional”.
O primeiro palestrante Maurílio de Castro Matos, assistente social e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), abordou como a Lei 13.431/17 (que instituiu o depoimento especial de crianças e adolescentes vitimas ou testemunhas de violência) pode interferir nas atribuições e competências profissionais. Para ele ocorre hoje “um alargamento das funções do Poder Judiciário e a sua interferência explicita no trabalho das outras profissionais”.
“A Justiça, a Saúde e a Assistência Social são distintas. A primeira tem por função buscar a verdade dos fatos e responsabilizar o agressor e as outras têm por finalidade atender os usuários destes serviços na suas necessidades. Aqui na minha fala não há diferença hierárquica entre um serviço e outro, mas precisamos reconhecer que o Poder Judiciário e os serviços que materializam as políticas sociais são instituições distintas, com finalidades distintas, constituem trabalhos distintos, atuam sob poderes distintos e cada um aos seu modo”, disse o professor que acredita que a lei nivelou por baixo as diferenças e atribuições das diversas instituições que compõem a rede de atendimento. Ele também defende que não necessariamente os profissionais que atuam em cada uma destas instituições tenham os mesmos objetivos que os da instituição. “É possível que tenhamos assistente social atuando na polícia, trabalhando nas varas, no serviço de saúde, nos Creas, mas, entretanto, o objetivo fim da nossa profissão não é o objetivo fim das nossas instituições”, defendeu. Apontou também que a lei não nomeou que profissionais serão os responsáveis pela metodologia, o que vem sendo ignorado pelo Poder Judiciário.
A segunda palestrante, Daniela Möller, assistente social do Tribunal de Justiça do Paraná e conselheira do CFESS enfatizou que a inquirição não está no rol de atribuições dos assistentes sociais “ainda que a Lei 13.431/17 tenha tentado inovar, ao trazer o conceito de escuta especial, a ser realizada no âmbito das políticas sociais, na rede de proteção”.
“Diferentemente do depoimento especial, que é um procedimento de oitiva, inquirição junto à autoridades policiais e judiciárias a escuta especial (também instituída pela lei), trata de procedimento de entrevista no âmbito da rede de proteção. A lei diz que ela se dá na rede de proteção com o intuito de cumprimento da sua finalidade”, dispôs Daniela. “A pergunta que não quer calar é: qual é esta finalidade à qual a lei faz referência? A finalidade de cada órgão da rede de proteção ou a finalidade da Lei 13.431, cuja regulação na maior parte de seus artigos trata do depoimento especial, ou seja, de uma preocupação voltada a procedimentos de apuração dos fatos?”, questionou.
“As políticas sociais tem o objetivo de atender às necessidades da população, não do processo jurídico. A defesa dessas políticas constitui compromisso ético-político da categoria e das nossas bandeiras de luta”, defendeu por fim a assistente social.
Durante os debates nosso diretor Caio Schaffer apresentou a AASPSI Brasil aos presentes, convidando-os a conhecerem nossas ações e se filiarem, apontando a importância da categoria organizar-se e fortalecer as organizações representativas como associações e sindicatos. Também falou sobre a ação judicial que pretendemos protocolar no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando pontos inconstitucionais da Lei 13.431/17 e para desobrigar assistentes sociais e psicólogos de participarem do depoimento especial. “O Tribunal de Justiça de São Paulo já normatizou que estes profissionais farão o depoimento especial. A AASPSI Brasil e a Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do TJ-SP (AASPTJ-SP) [com o apoio da Associação de Base dos Trabalhadores do Judiciário do Estado de São Paulo – Assojubs e da Federação das Entidades dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo – Fespesp] entraram com uma ação questionando esta normatização no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas não temos muita ilusão de que isso vá prosperar, então, o próximo passo é a ação no STF”, explicou.
Com informações da assessoria de imprensa do CFESS