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Comissão de Direitos Humanos do Senado discute revogação da Lei de Alienação Parental

Especialistas contra e a favor da revogação da lei foram ouvidos nesta terça-feira

Nesta terça-feira (25/06) a Comissão de Direitos Humanos do Senado realizou audiência pública para discussão do Projeto de Lei do Senado 498/2018 que revoga a Lei 12.318/2010, conhecida como Lei da Alienação Parental. A audiência foi requerida pela relatora do projeto, senadora Leila Barros (PSB) e foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT).

De autoria do ex-senador Magno Malta, o projeto é decorrente dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus-Tratos, criada em 2017. A audiência pública reuniu especialistas favoráveis à revogação da lei e defensores de sua manutenção. Os defensores da revogação alegam que a Lei da Alienação Parental “tem propiciado o desvirtuamento do propósito protetivo da criança ou adolescente, submetendo-os a abusadores”. Já quem defende a lei, acredita que a legislação trouxe mais justiça para pais que viram seu direito de convivência familiar com os filhos ser desrespeitado pelos tramites judiciais.

Tema complexo

Todos os expositores concordam que o tema é complexo e demanda amplos debates. A primeira a se manifestar foi a representante do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Iolete Ribeiro da Silva. Para ela, a questão vai além de ser contra ou a favor da revogação da lei pela complexidade do tema e que o debate deve existir, uma vez que a lei foi criada e aprovada sem a devida discussão. “O próprio Conanda não foi convidado para o debate na época da aprovação da lei”, expôs. Ela leu a Nota Pública sobre a Lei 12.318 elaborada pelo Conselho. O Conanda “manifesta preocupação diante do fato de que o conceito de ‘alienação parental’ não está fundamentado em estudos científicos, bem como não há registro de outros países que tenham e mantenham legislação semelhante sobre o assunto”. Para o Conselho, há na lei dispositivos que ensejam violações graves aos direitos de crianças e adolescentes. Desta forma, o Conanda “sugere a revogação do inciso VI do artigo 2º e dos incisos V, VI e VII do artigo 6° da Lei n° 12.318”.

O dilema das falsas denúncias de abuso

A psicanalista Ana Maria Iencarelli, especialista em vitimas de abuso sexual e representante do Coletivo Mães na Luta defendeu que a lei tem sido usada para penalizar mães que denunciam abusos sexuais sofridos pelos filhos. De acordo com ela, a genitora é obrigada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente a notificar qualquer suspeita de abuso ou negligência. No entanto, após a criação da Lei da Alienação Parental “criou-se o sofisma de que se a denúncia do abuso não for provada, então a mãe é alienadora”. A especialista explicou que o abuso sexual é, na maioria dos casos, difícil de ser provado uma vez que o abusador dificilmente deixa vestígios. Pesquisas internacionais apontam que apenas de 2% a 8% das denuncias são falsas. “Mas, no Brasil se radicalizou. Tudo é considerado falsa denúncia e alienação parental”, desabafou. Ela também falou sobre as consequências que o afastamento da criança do convívio materno pode provocar, tais como o desenvolvimento de doenças mentais na adolescência.

O uso da criança como arma

Já advogada Renata Nepomucemo, representante do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), foi enfática na defesa da lei. Para ela, a legislação trouxe mudanças sociais importantes que não devem ser descartadas. De acordo com a advogada a lei veio garantir que a relação parental continue apesar da ruptura conjugal. “Quando temos uma família em que um pai tenta apagar o outro, temos a alienação parental. Em muitos casos a pessoa usa a criança como arma para atingir o outro. E a lei é o dispositivo que pode coibir essa prática”, defendeu.

Renata disse que apenas a denúncia falsa de abuso sexual não é suficiente para um genitor perder a guarda da criança, mas a comprovação de que a denuncia foi usada com o objetivo de obstar a convivência da criança com o outro genitor. Ainda de acordo com ela, se há casos em que a lei está sendo usada de forma indevida, não é culpa da legislação, mas sim do “despreparo do Judiciário”. “Nós temos uma crianças que está sendo protegida não só pelos pais que estão buscando o melhor para ela, mas também pelo juiz, pelo promotor, pelo psicólogo, que têm obrigação de exercer este papel de proteção da criança e do adolescente. Muitas vezes agem de ofício, inclusive além do pedido que foi feito dentro do processo”, alegou.

Lei feita às pressas

Para a subprocuradora geral da República e representante do Grupo Candango da Universidade de Brasília, Ela Wiecko Volkmer, a Lei 12.318 foi feita às pressas para atender um grupo de interesses. Ela contesta a defesa de que a lei veio para garantir o direito à convivência familiar. “Em que medida esta lei vai garantir o direito à convivência e não segregar? Em que medida garantirá a proteção da criança à medida que provoca mais conflito entre os pais?”

A subprocuradora também falou sobre outro ponto delicado da lei, o que chamou de “colonização do campo da Psicologia pelo campo jurídico”. Para ela, o trabalho dos psicólogos e das equipes multidisciplinares é distorcido e se vê na obrigação de dizer sim ou não, se alguma daquelas situações listadas na lei está ocorrendo.

Alienação parental deve ser combatida

Para a advogada de Família Sandra Regina Vilela, todo processo judicial que envolve filhos é complicado e deve-se sempre priorizar os direitos da criança. Ela considera que a lei deve ser mantida, pois acredita que a alienação fere direitos fundamentais da criança. “O abuso sexual é terrível e deve ser veementemente combatido, mas a alienação parental também”, expôs.

A advogada pontuou que a legislação não é uma questão de gênero, já que também há mulheres que são falsamente acusadas de abuso sexual por seus ex-companheiros. Ainda de acordo com ela, a lei brasileira é menos radical que a de outros países. “O julgador brasileiro tem internalizado que a mãe é o melhor para a criança. Então, por que um juiz entregaria a criança para o pai apenas porque a mãe fez uma denúncia que não foi comprovada?”, questionou defendendo que na maioria dos casos é constatada a prática da alienação.

Alienação e danos

Para a psicóloga Andreia Calçada, a lei ajudou muitos homens que não tinham o direito à convivência familiar com seus filhos garantido. Autora do livro “Perdas irreparáveis”, sobre falsas acusações de abuso sexual, ela defende que os danos psicossociais produzidos pela alienação na criança são tão graves quanto os consequentes de um abuso. “Nós temos que estar aqui pelas crianças, tantos pelas abusadas, quanto pelas alienadas”, disse.

Mas, para o advogado e representante do Movimento Pró-Vida, Felício Alonso, a Lei 12.318 apresenta irregularidades e acaba por “blindar a pedofilia intrafamiliar”. De acordo com sua concepção, a justificativa da lei baseou-se toda na teoria da Síndrome da Alienação Parental, criada por Richard Gardner, que chegou a ser acusado de pedofilia. “Nenhum país adota a alienação parental como lei, o nosso não pode ser exceção”, alegou.

A posição da ABPJ

Representando a Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ), Tamara Brockhausen, defendeu que a lei surgiu para reparar uma grave omissão do Judiciário em relação aos pais que ficavam “relegados a mero visitadores a cada 15 dias”. Para ela, o Judiciário se recusava a refletir sobre a realidade da família brasileira e foi a partir da Lei 12.318 que se passou a compreender a gravidade da alienação parental. Também classificou como “pueris” as alegações de que a legislação se baseia apenas na teoria de Gardner. “Ele apenas nomeou uma prática que já era discutida antes dele por outros estudiosos”, expôs. A posição da ABPJ é pela manutenção da lei e que se necessário, se discuta nuances de seus artigos, mas não revoga-la.

 

Sobre o(a) autor(a) Ana Carolina Rios

Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bacharel e licenciada em letras pela Universidade de São Paulo (USP). Assessora de Comunicação da AASPSI Brasil desde 2012.

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