A atual conjuntura e o papel do assistente social foram o principal foco dos debates
Com o tema “Renovação e os 40 anos da ‘Virada’ do Serviço Social brasileiro: memória, história e desafios contemporâneos”, o 12° Seminário Anual de Serviço Social, foi marcado por histórias, homenagens e debates de conjuntura. Realizado no último dia 6 de maio no Teatro Tuca em São Paulo, reuniu centenas de profissionais ávidos pelas análises dos renomados palestrantes sobre as transformações sociais pelas quais passa o país e o papel dos profissionais nesta conjuntura.
“Em 2007 eu e a Elisabete Borgianni pensamos no que a Cortez poderia fazer para enaltecer a semana do assistente social. Daí nasceu este seminário”, explicou José Xavier Cortez, presidente da editora e idealizador do evento. Ele também falou sobre a importância do Congresso Brasileiro de Serviço Social da “virada”, que completa 40 anos, uma vez que foi lá que a editora lançou o primeiro número da Revista Serviço Social & Sociedade, um dos maiores sucessos da editora. Liduína Oliveira, assistente editorial para a área de Serviço Social da editora falou sobre a importância do evento em uma conjuntura “tão dura, tão difícil, de tempos obscuros em que estão tentando destruir a universidade pública”.
Renovação do Serviço Social no Brasil e desafios contemporâneos
Mauro Iasi, primeiro palestrante, iniciou afirmando que estamos diante do que ele chama de “prussianismo”, ou seja, forma política que se caracteriza pelo fato de o capitalismo ser implementado por cima. “O capitalismo brasileiro se caracteriza por uma forte presença do estado que se impõe sobre a sociedade”, explicou. Para ele, da mesma forma que interessou à classe trabalhadora a abertura política no Brasil, também era interessante para as classes dominantes também tinham interesse em um processo de redemocratização por uma transição lenta, gradual e segura. Iasi relembrou o conceito de Gramsci de que o estado burguês sempre opera equilibrando consenso e coerção. No Brasil, se constatou uma aliança entre a burguesia e a antiga oligarquia contra as camadas populares. O professor defendeu que entre 2002 e 2016 a classe trabalhadora veio sendo usurpada em seus direitos. Foi um período marcado por fragmentação, derrotas e conservadorismo. “De onde veio o conservadorismo? De lugar nenhum, ele sempre esteve aí”, argumenta. Conservadorismo este que encontra atualmente sua máxima expressão com a eleição da extrema direita. Expressou também sua preocupação com o papel do Serviço Social nesta conjuntura, no que chamou de “Serviço Social como instrumentalização da barbárie”. O Serviço Social sempre foi o espaço do contraditório e hoje assistimos parte da categoria aderir ao conservadorismo, inclusive sustentando ações antagônicas ao processo ético-político da profissão.
Já a professora Marilda Iamamoto falou sobre os cortes orçamentários às universidades e os indicativos da privatização do ensino público e sobre o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) de 1979 como um marco simbólico na história do Serviço Social brasileiro, por ser reconhecido como o momento da “virada” da categoria, assumindo um compromisso de classe e por ter sido a primeira manifestação do Serviço Social contra a ditadura militar instalada na época. Hoje, vive-se um momento que também requer posicionamento. “Vivemos um momento de obscurantismo, de profunda regressão conservadora em favor dos interesses do grande capital, altera-se as formas do estado, altera-se a posição da luta de classes, altera-se a organização da classe em sua resistência política”, descreveu a palestrante. O que temos hoje é um fortalecimento do conservadorismo que prima pela ordem instituída e pelo pensamento reacionário que confronta valores democráticos e propõe a eliminação de direitos conquistados. Como lidar com esta situação? Resistência, consciência do Serviço Social como classe trabalhadora e união, a ordem é “não soltar a mão de ninguém”.
Homenagens
Este ano as homenagens foram divididas em duas partes. A primeira homenageou os profissionais que compuseram o conselho editorial da Revista Serviço Social & Sociedade quem em 2019 completa 40 anos. Elisabete Borgianni, assistente social e membro do Conselho de Especialistas da AASPSI Brasil comandou a apresentação, relembrando histórias, importantes temas abordados e o sucesso do periódico, que chegou a ter cerca de cinco mil assinantes. “O primeiro número da revista foi lançado em 1979, ano em que ingressei na faculdade. Vocês podem imaginar como ela fez parte de toda a minha vida acadêmica e profissional”, disse Elisabete.
Veja a homenagem completa pelos 40 anos da revista:
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A segunda homenagem foi dedicada a José Xavier Cortez, fundador e presidente da editora. Depoimentos de colegas, autores e familiares emocionaram a plateia que aplaudiu a carreira exitosa de Xavier, oriundo de uma família pobre no nordeste e que trilhou sua trajetória em São Paulo, tornando-se importante referência no Serviço Social mesmo não tendo formação acadêmica nesta área. A homenagem foi conduzida por Liduina Oliveira.
Reação conservadora, resistências e o Serviço Social no Brasil e na América Latina
A segunda conferência do Seminário falou sobre a onda conservadora e a resistência no Brasil e países vizinhos. Para Rita Andrea Meoño Molina, presidente da Alaeits (Asociación Latinoamericana de Enseñanza Investigación em Trabajo Social) o que está ocorrendo nos países latino-americanos é uma guinada conservadora que visa o desgaste dos direitos sociais e qualquer movimento de resistência é tachado de “comunista” como forma de desmobilização e desvalorização da luta dos movimentos populares. Dessa forma, vemos cada vez mais o preconceito, a xenofobia, a desigualdade de gênero sendo dia a dia naturalizados. “Já não é possível para o capitalismo compatibilizar as políticas de acumulação com direitos sociais minímos”, pontuou a palestrante. Rita acredita que, para os trabalhadores do Serviço Social não há outra saída a não ser resistir. Mas, como fazer? O primeiro passo é a indignação. Só a indignação diante dos dados estarrecedores latino-americanos pode gerar a mobilização para a luta e resistência.
Esther Lemos, professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e presidente da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss), lembrou como é simbólico a realização do seminário ser realizado todo ano no TUCA, teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), local de resistência contra o Regime Militar que tanto perseguiu a educação, as artes e os movimentos populares. “A cultura é resistência”, disse na abertura de sua palestra. “Em nome de Deus e da elite nacional tratam de travestir a jovem democracia brasileira e entregar as riquezas nacionais à voracidade da acumulação capitalista”, resumiu a atual política do governo de Jair Bolsonaro.
Por fim, ouvimos a palestra de Josiane Soares dos Santos, professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e presidente do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Ela trouxe uma citação de Karl Marx, de 1864: “É um fato incontestável que a miséria das massas trabalhadoras não diminuiu entre 1848 e 1864 e, no obstante, esse período não tem paralelo no que diz respeito ao desenvolvimento da indústria e à expansão do comércio.” Esta fala é parte do Manifesto de lançamento da Associação Internacional dos Trabalhadores fundada a 28 de setembro daquele ano. “É de 1864, mas poderia perfeitamente ter sido escrito para falar dos dias atuais. A produção e reprodução da desigualdade no mundo cresce em proporções inimagináveis”, defendeu.