Pandemia, crise e fortalecimento da luta coletiva foram alguns dos temas debatidos
Preocupado com a organização política da categoria um grupo de assistentes sociais e psicólogos da região de Neuquén, na Argentina procurou a AASPSI Brasil, por meio da assistente social Elisabete Borgianni (Conselho de Especialistas), e nos convidou para participar de uma reunião online.
A conversa ocorreu no último dia 26 e foi proporcionada pelo Sindicato dos Empregados Judiciários de Neuquén (Sejun). Além de Elisabete, representaram a Associação a presidente, Maíla Rezende Vilela Luiz e a vice-presidente, Ana Cláudia Junqueira Burd.
Os assistentes sociais e psicólogos argentinos não estão organizados em associações a exemplo da AASPSI Brasil, contam com a representação de sindicatos por ramo. Também não há um conselho federal das profissões, como ocorre no Brasil. Lá funcionam os “colégios”, instituições semelhantes aos conselhos regionais de classes. Um dos objetivos do grupo é organizar uma associação que represente ambas categorias. Este foi um dos motivos que os levou a nos procurar.
Edgardo Chervavaz, presidente do sindicato abriu a reunião falando da difícil situação que os trabalhadores enfrentam nos dois países, com o agravante da pandemia por Covid-19. “A pandemia serve de desculpas para a retirada de direitos dos trabalhadores”, disse enfatizando que a nossa conversa seria muito importante para a troca de experiências e ideias.
A associação nacional
Neste contexto, Maíla trouxe o histórico da AASPSI Brasil, como nasceu, suas ações e objetivos. Nossa presidente relembrou sobre como a preocupação com a iminência de um Reforma Sindical fez os associados da Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça de São Paulo (AASPTJ-SP) iniciassem uma série de debates sobre o futuro da organização. Uma possível mudança na legislação priorizaria sindicatos e associações nacionais nas mesas de negociações. “A associação nasceu depois de vários encontros com especialistas da área sindical e com colegas de outras instituições como Ministério Público, Defensoria Pública, Sistema Prisional, entre outros, que decidiram criar uma associação nacional que representasse assistentes sociais e psicólogos da área sociojurídica em suas especificidades”, pontuou.
Maíla também explicou porque uma associação nacional é importante, mesmo já existindo associações e sindicatos regionais, além dos conselhos das duas profissões. A AASPSI Brasil tem competência jurídica para atuar em questões federais e prestar apoio a outras instituições regionais. Além disso, direcionamos nossas ações para as questões de defesas das nossas atribuições e prerrogativas das profissões nos órgãos superiores. Enquanto um conselho profissional atua mais como um tribunal de ética, uma associação nacional pode se direcionar mais para as questões políticas e sindicais.
A Psicologia
Ana Cláudia falou sobre a inserção da Psicologia nos serviços públicos, a atuação e organização política da profissão. Diferentemente do Serviço Social, a Psicologia, desde seu reconhecimento enquanto profissão sempre teve um caráter individualista e sua formação é voltada para a prática clínica e organizacional. Mesmo com a inclusão da profissão em serviços públicos, os psicólogos ainda trazem fortes traços individualistas.
“A partir do nosso ingresso nos serviços públicos e também com o fortalecimento dos movimentos coletivos e os conselhos profissionais é que nós começamos a compreender a necessidade de nos unirmos para a discussão de questões referentes ao coletivo profissional”, explicou.
Ana Claudia acredita que a atual conjuntura política de retrocessos no Brasil e na América Latina deve servir de combustível para aprofundarmos a organização e mobilização dos coletivos de trabalhadores. “Há um processo claro de desmonte das políticas públicas e este processo passa pela desestabilização das entidades de classe, dos sindicatos e dos trabalhadores. Enfrentamos reformas trabalhistas, previdenciárias e administrativas, tudo com a desculpa de salvar a economia”, pontuou.
Precarização, violação de direitos e perseguição institucional na pandemia
Elisabete tratou desta temática mais pontual diante do momento em que enfrentamos. Nestas situações em que o mundo se volta com a situação inesperada de uma pandemia e a consequente crise econômica se acirra a precarização e as violações de direitos, especialmente no âmbito trabalhista.
Ela trouxe a reflexão de que o mundo capitalista em si já carrega “anormalidades” provocadas pela desigualdade social, pela degradação do meio ambiente e pela violência contra as minorias. “A pandemia fez com que todos esses resultados da organização societária sob o capital viessem à tona com intensidade e claridade inauditas”, expôs. No universo trabalhista as marcas são por nós bem conhecidas: condições de trabalho precárias, salários achatados por anos, relações de trabalho marcadas pelo autoritarismo de chefias que não aceitam sugestões de como melhorar o ambiente, desgaste mental, assédio moral, adoecimento físico e mental pelo estresse constante.
O resultado, diz a assistente social é a alienação. “Ao invés de fortalecer as estratégias de união para enfrentar quem o subjuga e explora, o trabalhador cai nos braços da alienação. Ou seja, não se vê mais como aquele que faz toda essa roda girar, como produtor dos bens materiais ou simbólicos de nossa sociedade.” Para ela, no entanto, a pandemia não é a responsável pela falta de condições de trabalho nas instituições onde atuamos. Ela apenas agudiza o que já era muito problemático e traz alguns novos elementos como desafios que precisam ser enfrentados de forma coletiva.
O que fazer?
Este é o questionamento que trabalhadores de toda a América Latina se fazem diariamente. Como enfrentar este estado de coisas? Em primeiro lugar, precisamos ter consciência de que as respostas não estão prontas. Vivenciamos um cenário inédito, no qual os desafios são postos diariamente. Nossa missão é planejar coletivamente como enfrenta-los.
“E esse planejamento vai se dar no cotidiano, um dia por vez, contando com a segurança e convicção de nossos princípios éticos e políticos e com os acúmulos teórico-metodológicos que fizemos ao longo dos últimos anos”, afirmou Elisabete. Para ela, são tempos em que devemos lutar pela nossa autonomia nas decisões, termos clareza do que é ou não nossa atribuição para não cairmos na subalternidade técnica. “E, finalmente, ter muito claro que as conquistas só virão se estivermos unidos e reforçando a luta e a resistência coletiva”, complementou.
Perseguição e punições exacerbadas
A conversa com profissionais do país vizinho nos mostrou que os desafios e dificuldades trabalhistas são muito semelhantes: a carga de trabalho cada vez mais crescente frente à falta de profissionais; as difíceis condições de trabalho; as perdas salariais acumuladas; a perda de direitos conquistados a duras penas; a desmobilização sindical são marcas da nossa rotina e também de outros países da América.
Em tempos de crise profunda como a que enfrentamos estas situações tendem a se agravar. Na ânsia por respostas rápidas à sociedade, governos tendem a apresentar projetos intitulados de “ajuste fiscal”, mas que no fundo não passam de arremedos que facilitam apenas aprofundar políticas neoliberais, que permitem a precarização das instituições públicas e facilitam processos de privatizações e terceirizações. Os principais alvos destas políticas de ajuste são os trabalhadores, em especial os servidores públicos. As reformas propostas pelos governos não visam aos verdadeiros privilegiados da sociedade, o alto escalão sempre é poupado. Quem paga a conta são os trabalhadores comuns, cada vez mais explorados e com poder aquisitivo mais diminuto.
Não bastasse a questão salarial e de precarização, situações de crise mundial também facilitam e propiciam as perseguições políticas e punições descabidas aos profissionais. Esta é uma particularidade que tem preocupado nossos colegas vizinhos. Durante a reunião nos relataram alguns casos recentes que têm ocorrido na Argentina. Medidas antidemocráticas e contra a liberdade sindical têm sido denunciadas pelo Sindicato. O Tribunal Superior de Justiça vem aplicando medidas punitivas desproporcionais caracterizando a violência institucional.
O debate propiciou que pensássemos juntos em como enfrentar a perseguição sistemática. A AASPSI Brasil colocou-se à disposição para apoiar o sindicato e o grupo de profissionais tanto no debate como por meio de notas públicas de apoio. Reforçamos a importância da luta coletiva na resistência, lembrando que atos individuais são “suicídio institucional”. Neste sentido, é importante que a luta sindical conheça bem as particularidades do nosso trabalho. A ideia de uma associação nacional do sociojurídico para os profissionais da Argentina também é uma saída para fortalecer a classe e a luta.
A AASPSI Brasil agradece a todas e todos os profissionais que participaram deste rico debate, em especial a Martha Valdevenito e Paola Morales, que entraram em contato conosco e organizaram a reunião junto ao sindicato e ao grupo de profissionais.